O Santos festeja a volta de Neymar. É oportuno lembrar de Leônidas.
Leônidas da Silva
Na semana que passou, o Santos reapresentou Neymar para a torcida. O jogador, que estava no exterior há 12 anos, volta com status de fora de série e talvez seja, apesar de não ter conquistado títulos substantivos pela seleção brasileira e acumular polêmicas fora dos campos de futebol. Estas vão desde acusação de estelionato à acusação de assédio sexual, passando por agressão e problemas trabalhistas[1].
Não bastasse, durante um dos períodos mais críticos para o povo brasileiro, em que o surto da Covid-19 atingiu o ponto máximo de letalidade[2], o jogador se absteve de tomar posição contra a realização da Copa América de Futebol no país, em 2021, apesar do pedido do Senador Renan Calheiros, relator da CPI da que acontecia no Senado Federal[3]. E, após quase 700 mil compatriotas mortos por uma doença evitável, apoiou a campanha para a reeleição do sujeito que negou as medidas de contenção da pandemia sugeridas pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Neymar, de fato, é um jogador de futebol que foi criado desde sempre para o estrelato. Nunca demonstrou compromisso social ou engajamento efetivo em alguma causa. É um tipo que sabe que o dinheiro compra tudo e desconhece a realidade do torcedor médio que lhe faz a fama. Seu negócio é outro.
O jogo que faz a fortuna de gente como o recém repatriado pelo Santos tem uma rica história. No Brasil, apesar de ter iniciado como prática da elite branca, logo se tornou um esporte popular, com craques negros e mestiços, oriundos das classes trabalhadoras. Um destes é o carioca Leônidas da Silva, nascido em 1913, e que ficou conhecido como o “Diamante Negro”. Na França, durante a terceira copa do mundo de futebol, em 1938, marcou sete gols e ajudou a seleção brasileira a conquistar o terceiro lugar no torneio vencido pela Itália[4].
Leônidas se profissionalizou pelo Bonsucesso, do subúrbio carioca, mas jogou também em outros clubes do Rio de Janeiro, com destaque para o Flamengo, pelo qual foi campeão em 1939. Depois, na transação mais cara do futebol sul-americano até então, foi contratado pelo São Paulo e comandou a primeira era de ouro do clube, conquistando cinco títulos paulistas entre 1943 e 1949.
Tendo participado de duas copas do mundo -1934 e 1938 -, Leônidas chega ao São Paulo sob a ironia dos adversários, que o viam como decadente[5]. Os torcedores tricolores, entretanto, compareceram em peso à estação do Brás para recepcionar o craque, conforme noticia a Folha da Manhã em sua edição de 11 de abril de 1942:
"É quase impossível descrever o que foi o desembarque do 'Diamante Negro' e, sem incorrermos em exageros, podemos afirmar que pela primeira vez na história do esporte nacional um elemento mereceu uma recepção tão festiva, tão empolgante e tão arrebatadora".[6]
Na era do rádio, num Brasil ainda predominantemente rural, o homem negro Leônidas da Silva foi aclamado e contribuiu para popularizar o futebol. O jogador que em 37 jogos pela seleção marcou 37 gols, sendo um deles descalço, em plena copa de 1938[7], manteve a consciência de sua origem. O sucesso não o alienou. Em 1945, na primeira eleição presidencial direta após a ditadura do Estado Novo, votou em Yedo Fiúza, do Partido Comunista Brasileiro (PCB). O seu argumento: "Votei no Fiúza porque sou um homem do povo".
Apesar da cultura do entretenimento e das negociações financeiras, o futebol é manifestação popular e democrática!
Notas:
[1] As acusações contra Neymar e os problemas que envolvem o seu nome foram amplamente divulgados pelos órgãos de comunicação social. Ao final deste texto, há uma lista de matérias disponíveis na internet sobre o assunto.
[2] Em 2021, a pandemia causou 424.133 óbitos, mais do que o dobro do havia causado no anterior. Fonte: Jornal Nacional. Globo.com
[3] "Neymar, eu quero aqui dirigir uma palavra a você. Não concorde com a realização dessa Copa América no Brasil. Não é esse o campeonato que precisamos agora disputar. Precisamos disputar o campeonato da vacinação. É esse campeonato que precisamos ganhar e você precisa marcar gols para que esse placar seja alterado". In: Relator da CPI da Covid faz apelo a Neymar: "Não concorde com a Copa América no Brasil"
[4] Naquela Copa o Brasil estreou vencendo a Polônia por 6 a 5. Depois, nas quartas de final, empatou 1 a 1 com Tchecoslováquia e venceu o jogo extra por 2 a 1. Na disputa pelo terceiro lugar, venceu a Suécia por 4 a 2.
[5] A expressão “um bonde de 200 contos” era utilizada para se referir ao homem negro contratado por alta quantia.
[6] A citação está contida na matéria “O bonde de 200 contos”, de Brunno Carvalho do UOL.
[7] Na Copa de 1938, na partida contra a Polônia, a chuteira de Leônidas estourou e ele marcou um gol descalço, que foi validado pelo juiz.
Referências:
Neymar Jr: relembre as maiores polêmicas da carreira do jogador. Por Raphael Miras. In Gazeta de São Paulo. 28/01/2025. Disponível em < https://www.gazetasp.com.br/gazeta-mais/curiosidades/neymar-jr-maiores-polemicas/1150017/ > Acesso em 03/02/2025.
Neymar completa 1 ano lesionado; polêmicas extracampo chamam atenção. Por Gabriel Teles e Ana Cristina Schwambach. In CNN Brasil. 17/10/2024. Disponível em < https://www.cnnbrasil.com.br/esportes/futebol/neymar-completa-1-ano-lesionado-polemicas-extracampo-chamam-atencao-no-periodo/ > Acesso em 03/02/2025.
Neymar's injuries, controversies and scandals in the last year. In BeSoccer. Disponível em < https://www.besoccer.com/new/neymar-s-injuries-controversies-and-scandals-in-the-last-year-648511 > Acesso em 03/02/2025.
Balanço indica que 2021 foi o ano mais letal da pandemia no país. In. Jornal Nacional. 31/12/2021. Site globo.com. Disponível em < https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2021/12/31/balanco-indica-que-2021-foi-o-ano-mais-letal-da-pandemia-no-pais.ghtml > Acesso em 03/02/2025.
Relator da CPI da Covid faz apelo a Neymar: "Não concorde com a Copa América no Brasil". Por Redação do Ge — Brasília. 01/06/2021. Globo.com. Disponível em < https://ge.globo.com/df/futebol/noticia/relator-da-cpi-da-covid-faz-apelo-a-neymar-nao-concorde-com-a-copa-america-no-brasil.ghtml > Acesso em 03/02/2025.
O bonde de 200 contos. Por Brunno Carvalho. In UOL. Disponível em < https://www.uol.com.br/esporte/reportagens-especiais/leonidas-da-silva-desembarcava-ha-80-anos-na-estacao-do-bras-para-mudar-a-historia-do-sao-paulo/ > Acesso em 03/02/2025.
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